"O Frevo está no sangue do povo"...



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O clube e o frevo "Vassourinhas"

Spok Frevo e Orquestra - Instrumental SESC

Numa longa reportagem publicada em 1977, com base em levantamento feito em jornais da época, o DIÁRIO DE PERNAMBUCO contou a história do Clube Vassourinhas que estava fazendo naquela data, oitenta e oito anos de fundação. Assim, aparecem usos e costumes do carnaval de 1889 e foi utilizado também um depoimento prestado em 1977 por João Batista do Nascimento, apelidado Nô Pavão, antigo sócio e ex-presidente de Vassourinhas. Nô Pavão nasceu no Beco do Ciúme, Freguesia de Santo Antônio, Recife, em 1885.

Na reportagem referida, notícias do entrudo, bailes, músicas, agremiações, bebidas, comidas, artigos carnavalescos, barulhos. Não foi esquecido o local onde teria surgido o Clube Vassourinhas e havia informações sobre orquestra, porta-estandarte, horário, alegoria, itinerário, etc.

No final da matéria esta indagação: "Teria nascido neste dia-a-dia famosa marcha n° 1 do Clube, cujos versos estão pintados numa parede?". Na verdade, eu tinha as minhas desconfianças de que a música e outras coisas de ordem administrativa não poderiam ter surgido no mesmo dia e mês que a tradição aponta como da fundação do Clube: 6 de janeiro. Do meu lado está Nô Pavão que na entrevista referida, afirmou ser Vassourinhas de 6 de janeiro, mas sua instalação ocorreu em 7 de fevereiro de 1889.

Comprovadamente ele surgiu no carnaval daquele ano, bem trajado, colhendo aplausos "com seus toques, cantos e dançados" de acordo com registro do DIARIO DE PERNAMBUCO em 5 de março de 1889. No jornal do Recife, dias 1, 2 e 3 de março do referido ano, o fiscal M.C. na seção - Declarações - comunica à organização do Vassourinhas "que nos três dias de carnaval percorrerá as principais ruas desta capital, trajado com um agradável figurino aos apreciadores do festim fazendo então suas manobras nos pontos determinados".

Voltando mais um vez à reportagem citada, nela não está incluída Joana Batista como fundadora da nova agremiação, conforme depoimento de Nô Pavão. Aparecem o alfaiate Andrade, Carrinho, João do Carmo, Epifânio, Matias da Rocha e seu irmão Cosme, conhecido pelo apelido de Cabeça de Pau.

LITERATURA

Examinando detalhadamente alguns estudos publicados em livros, revistas, jornais, contracapa e encarte de discos sobre o carnaval do Recife ou sobre a música popular brasileira, nos deparamos com afirmações contundentes: o frevo ou marcha Vassourinhas, composição de autoria de Joana Batista Ramos ou Joana Batista que fez os versos e Teodoro Matias da Rocha ou Matias da Rocha autor da música, foi composto no dia 6 de janeiro de 1889. No mesmo dia, mês e ano em que surgiu o Clube. Alguns não citam Joana Batista como autora da letra e o Maestro Francisco Correia de Castro em depoimento pessoal dado a Leonardo Silva diz "ter encontrado em Bom Jardim letra e partitura de autor desconhecido, datado de 1873, com a marcha d' O Homem da Madrugada daquela cidade. Em compasso binário, andamento "allegro", a segunda parte é totalmente igual à da Marcha n° 1 do Clube Vassourinhas".

Na sede do Clube encontramos elementos reveladores, capazes de derrubar a tese que me parece insustentável. Um recibo datado de 18 de novembro de 1910 onde Joana Batista Ramos e Matias da Rocha vendem por três mil réis ao Clube a marcha Vassourinhas "que foi compozitada por nós dois". O recibo estava assinado por ambos.

Em outro documento que está no 2° Cartório de Registro Especial de Títulos e Documentos, Joana Batista em 1949, declara que a "marcha titulada Vassourinhas pertencente ao Club Carna. Mixto Vassourinha, foi compozitada por mim e o Maestro Matias da Rocha no dia 6 de janeiro de 1909, no Arrabalde de Beberibe em um mocambo de frente a estação do Porto da Madeira, dito mocambo, hoje é uma caza moderna".

O documento acima estava selado com estampilhas devidamente coladas e inutilizadas por dizeres e carimbos. Foram também pagas ao oficial Emílio Tavares Rodrigues dos Anjos, as taxas de Educação e Saúde Federal e Previdência do Estado.

MATIAS

Os dados sobre a vida de Matias da Rocha são escassos. Sabe-se pelo depoimento assinado por Nô Pavão e testemunhado por Jasson da Silveira Barros, Valdomiro Gomes da Silva e Lindolfo Edwige de Souza em 1977, que ele participou da fundação do Clube, juntamente com outras pessoas, inclusive o seu irmão, Cabeça de Pau. Segundo a mesma fonte, Matias seria autor de outra música para Vassourinhas, mas não recorda o nome.

Olhando um retrato existente na sede, Matias da Rocha era afilado, negro, trajado com elegância. Joana chamou-o "maestro". Em outro documento encontrado no Clube, respondendo a uma carta do Sr. Mário Leite em 1949, o ex-presidente Severino Oliveira adianta que Vassourinhas "foi tirada por Matias da Rocha e Sua Prima Joana Batista Ramos no dia 6 de janeiro de 1909 e que compoz com seu violão no arrabalbe de Beberibe em um mucambo junto a esta vai mais duas marchas proesas de Oscar e dois irmãozinhos".

Portanto além de fundador do Clube, autor da música compositada em 1909, era elegante, negro, afilado, maestro, tocador de violão, primo de Joana Batista, autor de outra música que não recorda o nome, segundo as informações de Nô Pavão, Joana Batista, Severino Oliveira. Tendo assinado o recibo vendendo ao Clube a música Vassourinhas, era alfabetizado. Ele e Joana Batista.

JOANA

Quanto a Joana os dados encontrados sobre a sua vida são igualmente escassos. De acordo com a certidão de óbito, sabe-se que faleceu em 1952 em sua casa no Zumbi, cor parda, pernambucana, doméstica.

Viúva de Amaro Vieira Ramos, deixou três filhos e tinha pais ignorados. A causa mortis constante na certidão feita no Cartório de Registro Civil da Nona Zona Judiciária, Madalena: "coma, apoplexia, hemorragia cerebral" atestou o Dr. Abaeté de Medeiros. Quando faleceu tinha 74 anos de idade.

Num levantamento realizado na sede do Clube, Rua Crucilândia, 263, Afogados, entre diretores, associados e tomando por base as notícias divulgadas na imprensa e documentos existentes no Vassourinhas, Cartórios, as informações são desencontradas, quanto a seu grau de parentesco com Matias da Rocha: prima, irmã, amiga, esposa, sem parentesco algum. Foi dito também que Joana acompanhava Matias e outros associados nas festas do Clube, ensaios, dias de carnaval e farras que habitualmente aconteciam. De acordo com o atestado de óbito era viúva de Amaro Vieira Ramos. A marcha "dois irmãozinhos" enviada a Mário Leite pelo ex-presidente Severino Oliveira, em 1949, seria referente a Matias da Rocha e Joana Batista?

VERÔNICA

Em 1979 entrevistamos Verônica Juliana Mendonça Ribeiro nascida no Beco do Lima, Recife, em 1884. Morava na Rua Antônio Henrique, 32, bairro de São José e meses depois completaria 95 anos.

Muito lúcida, apesar da idade, ela cantou, dançou, conversou com desembaraço - mesmo diante de um gravador - rememorou fatos relativos ao carnaval, ao Vassourinhas e também a Matias da Rocha e Joana Batista. Naturalmente que algumas informações, pela idade referida de dona Verônica, podem não ser exatas e a mesma coisa pode ser dita com relação ao depoimento de Nô Pavão. Senões, erros, omissões, esquecimento, mas também acertos, revelações, esclarecimentos. A distância em anos dos fatos acontecidos e a idade dos entrevistados, dificultaram mais ainda a precisão das informações colhidas.

Para dona Verônica que conheceu Matias muito de perto, pois sua madrasta era prima do autor da música, ele "parece que era talhador". Era um tipo alto, preto, afilado. Nada sabe sobre Cabeça de Pau e para ela Matias não tinha irmão. Também desconhece o parentesco entre Joana e Matias. Luiz de França, nascido em 1901 no Recife e presidente do Maracatu Leão Coroado informou que Matias da Rocha era seu padrinho, talhador e era membro da irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. Esta informação de Luiz de França foi prestada em 1987.

Na entrevista de dona Verônica, várias vezes de referiu à origem do Clube lá prás bandas de Beberibe. Vinha com música e as moças pulando com folhas de mamão. Depois é que o Clube se instalou na Rua do Caldeireiro e Rua de Hortas. Matias além de tocar violão, fazer farras, tocava flauta e tinha uma voz bonita. Joana tinha também uma bonita voz. Mas contrariando muitas opiniões, dona Verônica desmente que Vassourinhas era de varredores de rua. Seu pai mesmo, Joaquim Onofre Mendonça Oliveira não era varredor, mas empregado da Casa Agra. Havia domésticas, barriqueiros e Nô no seu depoimento incluiu o alfaiate Andrade, mas omitiu o nome de Joaquim Onofre, entre os fundadores do Clube. Matias "parece que era talhador".

Sobre a música Vassourinhas, ela não sabe, mas acha que ela foi feita em 6 de janeiro de 1889, sendo Joana autora dos versos e recorda até Joana cantando para Matias. A letra é a mesma recolhida por Capiba, começando assim: "Somos nós os Vassourinhas".

Amiga de Joana Batista, dona Verônica fez referência a uma irmã desta chamada Genininha e a uma outra que se atrapalhou para dizer o nome. Soube dizer que sua amiga era costureira, trabalhando para uma alfaiataria. Não lembrou o nome de seu marido.

Quando Vassourinhas foi ao Rio, em 1951, o Clube pediu para Joana cantar a marcha famosa. Assim foi feita uma orquestração.

Porque ouvi e li o que estava escrito, o caso eu conto, como o caso foi.

Evandro Rabelo


Fonte: Fundação Joaquim Nabuco
                                                            

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A História do Frevo




O Frevo é um ritmo pernambucano derivado da marcha, do Maxixe da capoeira (luta e dança de origem africana). Surgido no Recife no final do Século XIX, o frevo se caracteriza pelo ritmo extremamente acelerado. Muito executado durante o carnaval, eram comuns conflitos entre blocos de frevos, em que capoeiristas saíam à frente dos seus blocos para intimidar blocos rivais e proteger seu estandarte. Da junção da capoeira com o ritmo do frevo nasceu o passo, a dança do frevo.
Até as sombrinhas coloridas seriam uma estilização das utilizadas inicialmente como armas de defesa dos passistas.
A dança do frevo pode ser de duas formas, quando a multidão dança, ou quando passistas realizam os passos mais difíceis, de forma acrobática. O frevo possui mais de 120 passos catalogados.
Pode-se afirmar que o frevo é uma criação de compositores de música ligeira, feita para o carnaval. Os músicos pensavam em dar ao povo mais animação nos folguedos. No decorrer do tempo, a música ganha características próprias acompanhadas por um bailado inconfundível de passos soltos e acrobáticos.

A origem da palavra "Frevo"

A palavra frevo vem de ferver, por corruptela, frever, que passou a designar: efervescência, agitação, confusão, rebuliço; apertão nas reuniões de grande massa popular no seu vai-e-vem em direções opostas, como o Carnaval, de acordo com o Vocabulário Pernambucano, de Pereira da Costa.
Divulgando o que a boca anônima do povo já espalhava, o
Jornal Pequeno, vespertino do Recife que mantinha uma detalhada seção carnavalesca da época, assinada pelo jornalista "Oswaldo Oliveira", na edição de 12 de fevereiro de 1907, fez a primeira referência ao ritmo, na reportagem sobre o ensaio do clube Empalhadores do Feitosa, do bairro do Hipódromo, que apresentava, entre outras músicas, uma denominada O frevo. E, em reconhecimento à importância do ritmo e a sua data de origem, em 09 de Fevereiro de 2007, a Prefeitura da Cidade do Recife comemorou os 100 anos do Frevo durante o carnaval de 2007.